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Psicólogo Humberto de Almeida

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Foto de Cristina Raposo

Eu sou o psicólogo Humberto de Almeida, e esse é o blog Além das Palavras.

Antes de ser psicólogo, trabalhei em chão de fábrica sonhando fazer poesia. Escrevi muita poesia sonhando com o chão da fábrica. Ganhei a vida como publicitário, sempre lutando com as palavras, sempre brincando com elas. Quando o jogo parecia definido – o jogo da vida – dobrei o lance e comecei de novo, dessa vez como psicólogo. É assim que eu me encontro hoje, à espera do nosso encontro, de onde quer que você esteja. 

 

CRP 108507

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Foto do escritor: Humberto de AlmeidaHumberto de Almeida

(Imagem: Manassés Barreto/Wikimedia Commons)


Estou pesquisando a vida e os costumes de um dos países mais surpreendentes de que já ouvi falar. Fica em algum lugar da terra plana, próximo ao reino da esbórnia e a república do aluamento, e é liderado por um sábio que aos poucos o vai conduzindo a um novo patamar civilizatório. Seu povo, alegre e aguerrido, idolatra o Grande Líder: é comovente ver as pessoas saltitando ao seu redor, cantando e gritando seu nome mítico. Essa idolatria não é gratuita: como dissemos, desde que chegou ao poder ele vem transformando a vida do país.


Em primeiro lugar, entendeu que os verdadeiros problemas nacionais não eram a desigualdade social, a pobreza extrema ou a violência. Tais questões foram impingidas durante muito tempo à população por governantes desonestos, com o objetivo de insuflar a discórdia e camuflar os dramas reais. Sabiamente, elegeu como missão combater o que de fato corroía a alma pátria: a ideologia de gênero, a tirania do politicamente correto, a doutrinação ideológica de crianças e jovens por educadores a soldo de tiranias estrangeiras.


Apoiado por seus jovens príncipes – sim, a fortuna foi pródiga com a família, não limitando ao chefe os dotes de estadista – iniciou uma corrida rumo a novos tempos. Como é um líder de visão muito ampla, enxergando longe tanto à frente quanto a trás – não está claro se esses novos tempos estavam no futuro ou no passado; talvez uma mistura das duas coisas. Uma de suas primeiras medidas foi decretar o fim do racismo no país: ninguém mais seria julgado pela sua pele, e sim pelos seus méritos. Porque, aos olhos do chefe, todos tinham a mesma cor: a cor do pavilhão nacional!


Posta em prática, essa meritocracia logo encontrou críticos – sim, porque até mesmo nesse paraíso da Terra Plana existem pessimistas de plantão, os mais nocivos deles conhecidos como jornalistas. Questionavam que os brancos continuassem ganhando mais que os negros; os homens, mais que as mulheres. Ao que o Grande Líder, com infinita paciência e sabedoria, ensinou que nada havia de errado, já que a situação resultava do livre exercício do mérito, combinado com a lei da oferta e da demanda e algum bafejo da sorte.


Outro problema que ele resolveu com a simplicidade que só os gênios alcançam foi a ideologia de gênero. Por que, ao invés de copiar as confusas noções de sexualidade dos povos primitivos – os aborígenes da França e da Noruega, por exemplo – não reduzir a questão à sua simplicidade elementar? Em lugar de categorias que ameaçavam esgotar o alfabeto, apenas homens e mulheres! Para deixar tudo ainda mais claro, uns vestiriam azul; outros, rosa. A não ser nas manifestações cívicas, quando ambos usariam as cores do pavilhão nacional.


A violência foi abordada com a mesma visão aguçada, a mesma lucidez cortante. Ela só ocorria por um desiquilíbrio de forças: de um lado, um agressor armado; de outro, uma vítima desarmada. Tudo se resolveria, portanto, armando-se a vítima. De novo se levantaram os derrotistas, sugerindo que talvez fosse mais prudente desarmar os dois lados. Impossível, demonstrou o Grande Líder: como desarmar as pessoas, se a maior parte delas se dedica à caça, ao tiro esportivo e ao colecionamento de armas? Além do mais, como elas se defenderiam caso algum tiranete tentasse obrigá-las a fazer algo que não desejassem – parar na faixa de pedestres, por exemplo?


Porque grandes transformações não acontecem de repente: persiste sempre algum resquício do passado, algum costume primitivo. Ainda não fora possível eliminar, por exemplo, a crença de algumas pessoas de que deviam obediência a um grupo de anciãos, homens vestidos de preto e debruçados sobre um velho livro, de onde tiravam regras que todos deveriam respeitar. Tais tiranetes chegavam ao ponto de questionar algumas opiniões do líder, que por vezes tinha que ceder, dada a convicção das pessoas de que aquelas regras existiam para protegê-las, e não para tolher sua liberdade. Mudar crendices tão arraigadas demanda tempo e esforço.


É preciso começar pela formação das pessoas, evitando que sejam contaminadas por superstições e ideologias espúrias. Com esse objetivo em mente, nosso líder se empenhou em eliminar dos currículos abstrações inúteis que só servem para criar almas atormentadas – filosofia, sociologia, literatura, antropologia. E de que adiantam aqueles sujeitos de capas brancas com suas pesquisas intermináveis, que nunca saem dos tubos de ensaio? A sábia decisão foi concentrar esforços nos conhecimentos que constroem coisas – estradas, caminhões, ursinhos de pelúcia, liquidificadores.


E então chegou a Grande Praga! Não sem antes passar por outros países, dando ao Grande Líder a oportunidade de aprender a lidar com a doença. Sábio como sempre, ele apostou em fazer tudo diferente do que as tribos europeias tinham feito. Essa gente primitiva acreditava, por exemplo, que a doença passava de uma pessoa para outra, levada por seres microscópicos – uma espécie de duendes, só que menores. Baseados nessa superstição, fizeram com que as pessoas ficassem em suas casas, o que derrubou suas economias – muito primitivas, aliás, limitadas ao escambo de tecnologia da informação, veículos autônomos e insumos farmacêuticos com outros povos também primitivos.


Outra medida que esses aborígenes copiaram de seus antepassados bárbaros foi o uso de máscaras, com certeza na esperança de espantar os duendes microscópicos. Nada surpreendente, considerando que essas pessoas acreditam que a Terra é uma bola molhada girando em torno do sol. Claro que o Grande Líder desacreditou mais essa crendice, além de garantir ao seu povo o direito de ir, de vir e de aglomerar, baseado na ideia generosa de que a liberdade vale mais que a vida. Que, por sinal, só estaria em risco caso os tais micro duendes fossem reais, e não invenção de um povo que vivia do outro lado do mundo, próximo à borda onde a Terra Plana termina.


Mas o Grande Líder, incansável, tinha outras batalhas a travar, dessa vez contra um costume ainda mais bárbaro que ameaçava tomar as mentes – e os corpos – do seu alegre povo. Pois a ingenuidade levava as almas primitivas a acreditar que, inoculando no próprio corpo pedaços mortos do duende – que chamavam vacina – estariam protegidas da praga. Algo tão irracional quanto a crença de certas tribos de que, comendo a carne de seus inimigos, se tornariam mais fortes do que eles. Contra todas essas dificuldades o sábio governante se insurgiu, não conseguindo, no entanto, evitar a morte de alguns de seus compatriotas.


Essas mortes, porém, guardam uma diferença fundamental em relação às de outras partes da Terra Plana. Enquanto em outros lugares morreu gente de todo tipo, nas terras do Grande Líder sucumbiram apenas pessoas que iriam morrer um dia. Ou seja, nenhuma perda, já que todas as vítimas da doença cedo ou tarde teriam deixado de existir. Muito justo, portanto, o sábio condutor dos povos afirmar que ninguém foi tão bem sucedido quanto ele no combate à pandemia!


Se parássemos por aqui, já teríamos descrito a saga de um heroico estadista, mas há outra dimensão na vida do Grande Líder que até hoje só os iniciados conheciam. Ele está predestinado a defender não apenas o seu país, mas a própria sobrevivência da humanidade. Porque, como vêm alertando os desmascaradores de conspirações malignas, está em curso um complô para instituir uma Nova Ordem Mundial, em que não haverá mais Deus e religião, e as pessoas serão controladas por nanochips. A Nova Ordem se estenderá por toda a Terra Plana e permanecerá até o governo do anticristo, após o que teremos a volta do Messias e o Grande Arrebatamento.


Para escapar desse trágico destino, todos nós, habitantes da Terra Plana, temos que contar com o Grande Líder, agora o que highlander de Cabelos Laranja foi posto fora de combate pelas forças do mal.

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Foto do escritor: Humberto de AlmeidaHumberto de Almeida

O que esse poema nos diz sobre Maria, essa menina sonhadora, que acredita no seu sonho? Ninguém tirava essa ideia da cabeça de Maria: que no alto de uma parede da casa, certamente uma dessas casas antigas, sem forro, havia uma bonequinha adormecida. Quem sabe, com essa capacidade de sonhar e acreditar, tenha se tornado uma artista – poeta, pintora, compositora.


Ou não? Porque o sonho de Maria não tem base na realidade: de onde ela tirou essa ideia da bonequinha? E de adiantaria ela ficar ali, olhando pra cima, esperando que alguma coisa acontecesse? Enquanto isso a vida seguia, seus irmãos brincavam e ela continuava sozinha, naquela vigília passiva. Não, talvez a vida de Maria não tenha sido tão rica.


Capacidade de sonhar ou de realizar? O que é mais importante? Certamente, como tudo na vida, a justa medida entre as duas coisas. Sem sonho, não há realidade que se suporte. Sem realidade, não há sonho que se concretize. Há uma medida nas coisas, dizia o poeta Horácio. Enfim, existe um limite preciso além do qual, e antes do qual, o bem não pode subsistir.


Há um limite preciso além do qual – e antes do qual – o bem não pode subsistir. Portanto, no nosso caso específico, não é só de sonho, nem só de realidade, que se faz uma vida plena, mas da justa medida entre ambos. Quanto à Maria, não se preocupe: era uma menina esperta e logo percebeu que a bonequinha não cairia do céu.

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Foto do escritor: Humberto de AlmeidaHumberto de Almeida


De lugar comum e de sabedoria, toda expressão popular tem um pouco – e essa não é diferente. Realmente, não apenas de médico e de louco, mas de todas as peculiaridades humanas, cada um de nós tem um pouco. De sabedoria e de tolice; de prudência e de ousadia; de serenidade e de agressividade; de fantasia e de realidade. O que muda é a quantidade, e não a qualidade daquilo que nos constitui: somos feitos da mesma massa, tanto física quanto psíquica. É o que nos permite a empatia, não como capacidade de nos colocarmos no lugar do outro, mas de imaginarmos como seria se estivéssemos no lugar do outro. O poeta latino Terêncio disse isso de forma mais elegante: Sou humano, e nada do que é humano me é estranho.

Pra tudo na vida existe uma justa medida

Da mesma forma, nossas emoções e sentimentos diferem apenas em intensidade e proporção. Todos conhecemos o medo, a alegria, a tristeza, o amor, a raiva, a esperança, a desesperança, a serenidade e a ansiedade. Entre uma vida saudável e produtiva, e uma existência malograda pelo sofrimento psíquico, há sempre uma questão de medida. O psiquiatra alemão Ludwig Binswanger chamou de extravagância ou exaltação uma das formas como a esquizofrenia se manifesta: segundo ele, como uma desproporção entre a base horizontal da experiência e a insistência da pessoa em se elevar na altura. Imagine um alpinista pouco experiente que escala uma montanha até um ponto de onde não consegue prosseguir nem retornar.

Como achar essa justa medida

Usado na justa medida, o que todos temos de humano pode engrandecer nossa existência: a coragem que faz o líder, a inteligência que faz o mestre, a generosidade que transforma o mundo. E isso não acontece por mágica, pela força do pensamento ou pelo simples desejo: é resultado do empenho diário, “da fatigante escalada que possibilita sua tradução em palavras e atos”, como diz Binswanger. Mas qual é, enfim, essa justa medida? Horácio, que era poeta e não matemático, não fez o cálculo. Aqui a psicologia, de novo, pede ajuda à poesia. Que o diga Fernando Pessoa, pela voz de Ricardo Reis:


Para ser grande, sê inteiro: nada

Teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa. Põe quanto és

No mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda

Brilha, porque alta vive.


Fernando Pessoa, Odes de Ricardo Reis

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